Órfãos


Em tempos profundamente conturbados, em que a luz ao fundo do túnel insiste em não despontar, é difícil ser-se optimista e acreditar que iremos vencer (mais) uma crise.
Como se de um jogo de dominó se tratasse, tudo começou na Grécia e a partir daí, as peças continuarão a cair sucessivamente, implacáveis e impiedosas, rumo a um fim incerto. Nesse sentido, é, no mínimo, revoltante assistir ao triste espectáculo das nações poderosas da Europa a tratar a Grécia como lixo, nação que foi berço da civilização ocidental, detentora de um passado dourado e inspirador e de uma riqueza histórica avassaladora.
Hoje em dia, não destoando, de resto, da forma como o Norte da Europa vê o Sul da Europa, como um mero destino de férias solarengo, súmula de países absolutamente desgovernados e ingovernáveis, nações como Portugal, Espanha, Grécia e Itália, que nada de bom auspiciam para o futuro de um projecto europeu liderado por alemães e franceses, completamente avessos e indiferentes à memória histórica colectiva.
É mesmo da "luta da memória contra o esquecimento", como dizia Kundera, que se trata e, sobretudo, do respeito que merecem todas as nações que serviram de modelo a tantas outras civilizações e que se destacaram nos mais diversos planos do conhecimento, da cultura e do saber e que ajudaram a moldar a "identidade europeia". No entanto, a crise grega veio provar que o tão aclamado "projecto europeu" não passa de um tremendo gigante com pés de barro, assente unica e exclusivamente na economia, fazendo tábua rasa do legado histórico que deveria unir as nações e contribuir para o fortalecimento de uma identidade colectiva.
Mais uma vez, a velha máxima "it's the economy, stupid" dita as regras de um jogo, no mínimo, obscuro e de desenlace sempre imprevisível. O capitalismo selvagem que governa o mundo, com os seus inúmeros telhados de vidro, fez com as nações, as existências individuais se tornassem completamente permeáveis às forças dos mercados, agudizando as clivagens entre ricos e pobres, entre detentores do poder e marginalizados.
O futuro assume contornos indefinidos e, à mistura, um sentimento de orfandade perante sucessivos governos que só desgovernam, que adiam reformas cruciais e que deixam para amanhã o que poderiam fazer ainda hoje.

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