Lisbon story

Segundo um estudo realizado pelas Selecções do Reader's Digest (este nome parece quase jurássico, remetendo para aquelas revistinhas que se liam há muitos anos atrás... será isto a velhice?), Lisboa é uma das cidades mais simpáticas do mundo. Nova Iorque, por sua vez, seria a cidade mais bem-educada do planeta.
Lisboa é muito mais do que uma cidade simpática. Encerra em si uma magia, uma beleza indizível que se entranha nos nossos poros e nos consome despudoradamente.
Nunca fui dada a qualquer tipo de bairrismo, nem tão pouco a um sentimento de pertença a uma dada região. Acho simpático ser beirã, empolgo-me com os feitos heróicos de Viriato, mas o meu sentido de identidade beirã é demasiado etéreo, pois tal como Sócrates (o filósofo helénico!), sinto-me literalmente "cidadã do mundo". Posso ser de Lisboa e de Berlim (outra cidade que eu amo incondicionalmente), do Porto (outra paixão incomensurável) e de Zagreb. Um pouco como o grande e visionário António Variações que dizia ser de "algures entre Braga e Nova Iorque".
Porém, Lisboa também pode ser voraz, devorando-nos por completo. Lisboa não se compadece com a lentidão, a tranquilidade, tudo nela é vertiginoso, frenético, terminal. Embora se possa contrariar esse ritmo alucinante ao mergulhar na Lisboa antiga, nos seus bairros de gentes afáveis que estendem a roupa nos cordões e aí fica, indelével, a balançar todo o dia. Disso se fazem postais turísticos. Very typical, indeed!
Aí vivi quase uma década e não me recordo de um único dia sequer em que a beleza da cidade me fosse indiferente. Por mais cego que se ande, por mais afogado em preocupações, em stress quotidiano que se esteja, nunca se pode fechar os olhos a essa luz inefável que banha Lisboa e que muitos já tentaram explicar. Será do Tejo que todos os dias assume uma totalidade diferente? Não importa. É melhor não racionalizar o que se sente. Os argumentos e as explicações exaustivas retiram a beleza às coisas.
Depois de um dia intenso, daqueles que nos sugam a alma e a força anímica, apanhar o 15 que vai de Algés à Praça da Figueira é, de facto, o melhor antídoto. De preferência no Verão e sentir o vento a embalar-nos, deitar a cabeça para fora da janela e ter quase vontade de ser um daqueles miúdos rebeldes que vão à boleia do eléctrico, sem qualquer tipo de pudor. E deixarmo-nos ir, com imensos turistas em nosso redor, é certo, e trilhar percursos que já foram os de Pessoa.
Do que sinto mais falta em Lisboa é da atmosfera multiracial, multiétnica, num pluralismo deslumbrante. Adorava ir ao Centro Comercial do Martim Moniz, ao supermercado indiano comprar o verdadeiro caril, e sentir-me estranha. Em Lisboa, todos são forasteiros. Poucos são mesmo de lá. Estão de passagem. Fixam-se para sempre ou não. Um dia saem em busca de maior qualidade de vida. Não tenhamos dúvidas: em Lisboa não se vive, sobrevive-se. Excepto aqueles que têm muito. No resto do país, é possível viver, no verdadeiro sentido da palavra e dedicar-se a um sem número de tarefas, pois o dia dá quase a sensação de ser elástico. Em Lisboa, os dias sucedem-se à velocidade da luz, arrasadores.
Há dias assim. Em que se acorda submergido por uma maré de doce saudosismo e que, por mais que se olhe para a luz envolvente, não se vê "a" luz. De Lisboa. Obviamente.
Lisboa é como um daqueles amores que nunca se esquece e que, apesar de não ter resultado, temos sempre esperança de reatar. Porque estará sempre em primeiro.

Comentários

* disse…
ná!

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