Memórias...de Salazar?


Na passada semana, fomos assaltados por uma notícia que, a meu ver, não está a ser alvo de uma discussão profunda que urge levar a cabo, sob pena de se tornar mero episódio caricatural e cair, assim, no esquecimento.
É certo que, na espuma dos dias, e por entre o habitual sensacionalismo a que os noticiários em Portugal nos habituaram, estas notícias são completamente relegadas para segundo plano. No entanto, é importante analisar os factos, ir ao âmago da questão e tentar perceber como se pode chegar a este ponto preocupante.
Segundo a notícia avançada na imprensa nacional, a autarquia de Santa Comba Dão, a mesma que há alguns anos havia anunciado a construção de um Museu dedicado a Salazar, proclamava agora o lançamento de uma marca turística que visava dinamizar e impulsionar a economia local, com base na figura do ditador e que dentro dessa estratégia se incluía a comercialização de um vinho com o delirante nome de "Memórias de Salazar"!
Gostaria de fazer um pequeno aparte: trabalho precisamente na área da promoção turística e o objectivo diário deste métier consiste em veicular o melhor do território, sob um ponto de vista atractivo, apelativo e, sobretudo, positivo!
Não consigo, assim, conceber como se poderá fazer promoção de uma região com base na figura tutelar de um ditador que arrastou o país para um longo Inverno de 48 anos; que perseguiu, que torturou, que calou os oponentes ao regime que pugnavam pela democracia, pela liberdade e pelo acesso à formação e à educação; que comprometeu uma geração numa alucinada guerra colonial; que acreditava numa lógica de "fado, futebol e Fátima", de pão e circo para o povo analfabeto, miserável e descalço.
Estamos perante um perigoso e preocupante caso de revisionismo histórico, que pretende fazer tábua rasa de um passado sangrento que jamais deveria ser motivo de orgulho, muito menos de cartaz turístico! A autarquia defende que essa avaliação deverá ser feita por quem de direito, pelos historiadores, e que o que se procura com o lançamento desta marca, já registada, é atrair turistas e, mais grave ainda, pessoas que sentem uma "ligação" a Salazar!
Não é possível anunciar o lançamento deste sombrio produto turístico, dissociando-o da memória histórica e desse exército de vítimas do Estado Novo. Como reagirão as famílias das vítimas do salazarismo? Como é possível apagar a memória e fazer renascer das cinzas este fantasma omnipresente?
Ainda que seja um episódio muito específico - e esperemos que pontual! -,adivinha-se uma alarmante tendência para branquear a História e uma tentativa de a reescrever por linhas bastante tortas! Outro exemplo: aquele discurso de saudosismo que suspira pela rectidão do ditador e que acredita que o seu regresso seria a solução para os males actuais.
A democracia padece de muitas enfermidades, como se tem constatado por toda a Europa, em que governos são empossados em gabinetes, à revelia do sufrágio dos cidadãos, mas tal como dizia Churchill é "o menor dos males"! Faz-nos pensar...

Comentários

Anónimo disse…
mais uma parva i maria vai con as outras
Maria Cota disse…
Confesso que não entendi o seu comentário. Gostaria de poder debater, se ao menos a sua observação tivesse o mínimo conteúdo, mas obrigada de qualquer forma.
Bruno Madureira disse…
Completamente de acordo! Excelente texto... Os meus Parabéns!

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