De senectute

Para quem estudou Latim, com afinco e especial interesse, como foi o meu caso, a figura de Cícero é tutelar. E hoje lembrei-me do seu tratado De Senectute, dedicado à velhice e ao caminho do envelhecimento que não tem de ser fatalmente penoso e árduo. Muito pelo contrário.

Não querendo sequer equiparar a nobreza dos argumentos de Cícero, em defesa da velhice e de tudo o que esta traz de benéfico, ocorreu-me um pensamento prosaico, mas não menos verdadeiro: a idade reforça a nossa identidade e aguça a personalidade, dando-lhe contornos mais reais, mais consistentes.

Não sei se será uma espécie de "síndroma Mário Soares", mas com o passar dos anos, vamos perdendo a vergonha de existir, a vergonha de ser e o que pode ser entendido como mau feitio, mais não será do que o afirmar da vontade individual. A impulsividade de outrora dá lugar a uma inquietante ponderação e o tempo também vai mostrando o que interessa preservar. A vertigem da rapidez dá lugar a uma fruição mais lenta e mais saborosa dos momentos e aprende-se a valorizar o luxo do tempo que podemos despender connosco, sem pressas, sem passos apressados.

Com o fluir do tempo, tudo o que parece um bicho de 7 cabeças acaba mesmo por se relativizar e reveste-se até de contornos risíveis e cómicos. Claro que a nostalgia é o reverso da medalha e as conversas tendem a resvalar para as doces e romantizadas memórias dos "tempos passados" e é nesse momento que nos apercebemos que estamos mesmo a entrar num outro capítulo.

Acima de tudo, e cientes dos nossos defeitos, aprendemos que jamais poderemos agradar a todos e que haverá sempre alguém a "tresler" as nossas palavras e os nossos actos. Aprendemos, assim, a não querer agradar desesperadamente a Gregos, Troianos, Cartagineses, Vikings e afins, e assumimos a nossa identidade tal como ela é, com tudo o que tem de luz e de sombra. Confiando na justeza dos nossos propósitos e acreditando que, um dia, a verdade se revelará com desarmante eloquência!

"Os homens são como os vinhos: a idade azeda os maus e apura os bons". Cícero

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